O Supremo Tribunal Federal prospectivo

Publicado por: Editor Feed News
18/07/2016 19:50:53
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Em editorial "Lava Jato sob ameaça", publicado em 05/07/2016, o jornal O Estado de S. Paulo rala, por analogia, um ferida há anos aberta no Supremo Tribunal Federal- STF. A lei n.9.869/1999, que disciplina as ações diretas de inconstitucionalidade, em seu art. 27, diz que o STF pode imprimir efeito modulador às suas decisões proferidas nas ações concentradas e abstratas de inconstitucionalidade. Uma teoria vinda da Alemanha; Essas ações, não raro, em nosso país, levam décadas para serem julgadas. 

 

Ao julgar e declarar uma lei ou ato inconstitucional, o Supremo o faz sob "efeito prospectivo". É dizer, os efeitos da decisão da Suprema Corte só se produzem para o futuro. O que passou, passou. Em nome da segurança jurídica, sejam atos honestos ou atentatórios à honestidade. Qualquer do povo diria que, se uma lei é inconstitucional, ela nasce inconstitucional. A lei não é uma criança mal criada que, repentinamente, se entrega a amargurar a vida alheia. 

 

A analogia da matéria de o Estado, que fala da Lava Jato, e essa tendência de "julgar prospectivamente" do STF, decorre de que, neste momento, em que as águas agressivas atingem as pernas dos políticos, conforme diz o prestigioso órgão de imprensa, circula nos meios políticos a ideia extravagante da criação de acordo de leniência - para os Partidos Políticos! Seria um "acordão" congressual que, a partir de determinado momento, estabeleceria um divisor de águas entre o passado e o futuro, respeitando as condenações judiciais até então tomadas ou na iminência de sê-lo, deixando o resto como está, na base do que "passou, passou". Uma obscenidade, conclui o artigo. 

 

Obscenidade, "data venia", que também está presentes quando se declara uma lei, inconstitucional no passado, válida, enquanto o Tribunal não a examinou. Validando-se, com isso, por exemplo, medida provisória que imunizou os pastores evangélicos do imposto de renda e mandando ao cesto de lixo um auto de infração da que atingia 400 milhões de reais, preparado por longos anos pela Receita Federal; quando se diz que a lei que extinguiu numerosas escolas médias de contabilidade, cujas portas já estão fechadas, foi, há um tempo, inconstitucional e válida (entendam se quiserem). 

 

Juiz não pode ser prospectivo. É escravo da lei. Lei que contrasta com a Constituição briga com a lei maior desde que nasceu, vale dizer, nasceu morta. As decisões do STF não puderam gerar efeitos somente "ex nunc" (sem retroagir). Segundo essa doutrina diabólica, a lei vale enquanto o Rei, ou melhor, o Tribunal não se manifesta. Esse raciocínio arrosta até mesmo os postulados das ordenações reinóis, que regeram nossa vida jurídica há séculos. Para elas, coisas jurídicas nulas eram natimortas, "nenhuma", em sua feliz expressão. Como dizer, algum dia, o Supremo que o Congresso não pode fazer uma lei que pune os infratores do passado e isenta os do futuro, se a mesma essência ideológica movimenta cada a um seu modo, seus respectivos pensamentos? 

 

Claro que uma lei declarada inconstitucional pode prejudicar pessoas de boa fé; e que a segurança jurídica manda preservá-las. Para isso, há remédio simples, preconizado pelo jurista português, tão reverenciado por nossa Suprema Corte, J.J. Gomes Canotilho. Declarada inconstitucional determinada lei, os casos concretos ocorridos sob sua vigência, um a um, podem ser submetidos a uma análise do Judiciário. O Juiz dirá se, mesmo sob uma lei inconstitucional, o ato vale, ou não. Jamais dizer que todos são válidos, uma enormidade que merece o adjetivo do jornal.

 

Nos idos de 2000, a Confederação Nacional das Profissões Liberais submeteu a lei que rege as ações diretas de inconstitucionalidade ao crivo do STF (Ação Direta nº 2.154). Em seu último voto, antes da aposentadoria, o grande ministro Sepúlveda Pertence, nos termos acima assinalados, deu seu pronunciamento no sentido de que o art. 27 da Lei regente é inconstitucional, ao dar poder à Corte para dizer por quanto tempo uma lei inconstitucional pode viger. Isso ocorreu em 16/08/2007, parece-nos que o último voto dado pelo Ministro Pertence na Corte, antes de sua aposentadoria. Entretanto, um pedido de vista da Ministra Carmem Lúcia fez com que o Plenário até hoje não apreciasse o tema. Registre-se que, em 11/02/2016, a Ministra devolveu os autos para julgamento, mas até este momento não há indício de que o processo voltará à pauta.  Não temos dúvidas em dizer que, se uma declaração de inconstitucionalidade pode ou não ser submetida a efeitos moduladores, "ex tunc" (desde o nascimento) ou "ex nunc" (desde o julgamento), ainda não foi definitivamente apreciada pelo Plenário de nossa Corte, por mais sensível que se apresente o tema, em que pese devidamente provocado, coloca-a em posição inferior a muitas outras de nosso mundo civilizado. E enche de razões o jornalista José Nêumane, ao discutir, em programa de televisão, com o Ministro Marco Aurélio Mello, sobre a confiabilidade do Supremo Tribunal Federal. 

 

Conclusão: o Deus tempo é onipotente. A ele cabe dizer se algo é ético, jurídico, constitucional ou inconstitucional. Por quanto tempo. E os Deputados seguem o raciocínio.  Azar de quem já foi punido. E sorte dos canalhas abençoados.

*Amadeu Garrido- advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas. 

 

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